REALIZAMOS UMA ENTREVISTA COM O AMIGO E GUERREIRO MAX MULLER E A ATUAL REALIDADE DAS ARTES MARCIAIS NO BRASIL E NO MUNDO, RECOMENDAMOS A LEITURA DESTE MATERIAL RICO E NECESSÁRIO PARA OS DIAS DE HOJE. AGRADECEMOS AO AMIGO POR NOS CONCEDER TAL ENTREVISTA PARA O NOSSO BLOG.
Nome: Max Müller Cerqueira Sobrinho
Profissão: Graduado em Letras (UnB), Mestrado em Teoria Literária (em formação, UnB) e Especialização em Psicologia Analítica (em formação, IJEP); Servidor Técnico-administrativo na Universidade de Brasília-UnB
Artes Marciais:
Faixa Preta 1.º Grau em Arnis Kali Maharlika (arte marcial filipina, especializada em armas brancas), pelo Grão-Mestre 9.º Grau Herbert "Dada" Inocalla;
Faixa Preta 1.º Dan em Kudo (arte marcial mista japonesa), pelo Sensei 2.º Dan Maicon Nonoyama;
Faixa Vermelha (em vias de exame para Faixa Marrom) de Karatedo Wado Ryu Wado Kai, pelo Mestre 6.º Dan Maicon Nonoyama.
1.Na sua opinião, qual é a realidade das artes marciais no DF e no Brasil?
Agradeço por esta entrevista. É muito importante a partilha de conhecimentos, aprender um com o outro, não apenas no domínio das artes marciais, mas em todo saber que contribua para a vida ser melhor, não é verdade? Espero que eu possa ser útil para que, quanto às artes marciais, as mesmas sejam sempre resgatadas em seu verdadeiro espírito e sempre atualizadas, para que a humanidade conheça essa via tão especial à evolução do ser humano.
Percebo que há uma grande desvirtuação do que seja o espírito das artes marciais, na maioria dos locais em que se pretende ensiná-las. Percebo, porém, que há uma minoria realmente sincera e interessada em manter o que as artes marciais têm de autênticas, cujos princípios, que vão desde aspectos físicos, de saúde, técnicos e táticos, até psicoemocionais, morais, éticos, filosóficos, históricos, artísticos, culturais e espirituais. Isto, tanto no âmbito do Distrito Federal quanto no do Brasil como um todo.
As artes marciais, que merecem essa denominação, são uma área do conhecimento humano que abrange quatro grandes vertentes em sua constituição: 1. arte (ou técnica) militar (portanto, âmbito da segurança); 2. ensino-aprendizagem (ou seja, educação); 3. atividade física (logo, saúde); 4. mística (espiritualidade). Sendo assim, as artes marciais devem ser praticadas, ensinadas e valorizadas sem desconsiderar nenhum desses importantes fundamentos, pois são eles que as definem. Logo, quem não observa essas características, não está compreendendo o verdadeiro espírito das artes marciais.
2.Para você, em que consiste a prática das artes marciais e o que é ser um artista marcial?
Para mim, a prática das artes marciais consiste de uma dedicação freqüente ao desenvolvimento e à evolução pessoais, no sentido de se esforçar para se tornar exemplo para a formação de uma sociedade cujos valores sejam: educação - pessoas educadas no modo de ser marcial valorizam a vida, acima de tudo; honestidade - ser reto fomenta boas relações pessoais e uma sociedade melhor de se viver; justiça - ser justo, ao se fazer uso progressivo da força, sempre que possível, com foco na paz; coragem - ser altivo, sem ser arrogante, para enfrentar a violência, em todas as suas formas; segurança - todos têm direito à defesa de sua integridade física e moral, por meios moderados e necessários; compaixão - todos têm direito a uma segunda chance, se de boa mente dignarem-se à correção; sabedoria - erros e acertos, tudo na vida contribui para a evolução da pessoa, se ela for humilde para tanto.
Nesse sentido, ser um artista marcial é ser alguém que, desenvolvendo-se física e tecnicamente, dá igual ou maior importância à pessoa que mais ama, à família, a um ofício digno, ao altruísmo por alguma causa voluntária, a alguma forma de espiritualidade que respeite todas as outras e não se poste como detentora de "verdades únicas". Porque arte marcial é, ao mesmo tempo, cultura de combate e cultura de paz. O artista marcial autêntico é um guerreiro, um especialista em armas, um líder, um terapeuta, um educador, um místico e um sábio.
3.Em que consiste a essência de uma arte marcial realmente eficaz?
A eficácia de uma arte marcial, em essência, consiste de ela fazer valer, na prática, o que ela propõe na sua teoria. Ou seja, se uma arte marcial pretende ser especialmente um método de autodefesa eficiente, ela deverá comprová-lo em situações reais. Se o objetivo é fazer com que exercícios típicos das artes de combate tornem-se instrumentos para outras expressões, como por exemplo, dança moderna, arte circense, coreografia cinematográfica ou melhorar desempenho de atletas de outras modalidades, se houve sucesso nesse tipo de uso, então essa arte marcial foi eficaz. Se a proposta é a de utilizar de técnicas físicas, de modo que com o tempo essas habilidades se espiritualizem e iniciem alguém em caminhos marciais como o Budo, por exemplo, sendo o Do uma Via Espiritual, então, nisto essa arte comprovou sua eficácia. Se o propósito for apenas o de utilizar de habilidades, mesmo que não sirvam para fins de autodefesa, mas somente como meios de exercitar meditação, ou realizar um trabalho de energia interna, se houve diagnósticos positivos, então houve eficácia. Poderíamos falar de outros exemplos. O que importa é que a teoria seja constatada na prática, na realidade, nos resultados. Isso, para mim, é eficácia, essencialmente, nas artes marciais.
4.Quais são os sintomas e resultados de ensinamentos mal empregados a alunos de artes marciais?
Esse é um grande problema ético e moral encontrado em falsos ambientes que se dizem de "artes marciais". As artes marciais são caminhos formadores, educadores, modeladores do caráter das pessoas. Há uma preocupação, no meio das verdadeiras artes marciais, em iniciar pessoas que tenham o potencial para bem empregar suas habilidades, técnicas e conhecimentos que, se mal orientados, podem causar sérios danos físicos e/ou morais aos outros, quando não, incapacitações e mesmo mortes. Isto é muito grave! É intolerável! É preciso considerar a moralidade acima de quaisquer meras competências braçais. Esse é o entendimento profundo que leva à diferenciação entre um simples instrutor e um mestre de verdade. Mestre é quem já chegou ao nível de dimensionar o alcance do poder, até suas últimas conseqüências. Logo, o mestre é alguém dotado de um poder maior, que é sua capacidade de saber usar o dom que tem para o bem comum - e nunca o mal, o prejuízo, o dano aos outros. Se há alunos de artes marciais sendo lesados, seja física, moral ou financeiramente (é bom que se diga), é porque estão sob as garras inescrupulosas de instrutores de mau caráter. Esses alunos devem buscar se defender, no sentido de se aprofundar nos aspectos mais elevados das artes marciais, para poderem, assim, ir ao encontro de quem verdadeiramente seja capacitado a iniciá-los, respeitá-los e protegê-los, em sua total integridade e dignidade humana.
5.O que você pensa sobre o charlatanismo na arte marcial? Professores mal instruídos e alunos mal informados.
Penso que práticas desonestas como charlatanismo nas artes marciais, a presença de falsos professores, com conseqüência direta na formação de baixa qualidade de alunos, é algo que deva ser tratado em nível de segurança e de saúde públicas. Há repercussões nefastas em se ensinar mal, assim como explicado na questão anterior, sobre os danos à integridade física dos praticantes, especialmente alunos. As artes marciais, historicamente, estão vinculadas a princípios morais, éticos, filosóficos, espirituais. Sendo assim, elas são um mecanismo de integração social, ao formarem indivíduos sadios, física, mental e espiritualmente. É uma afronta a essas jóias preciosas que nos foram deixados como legado de altos valores, que haja elementos mal intencionados a buscarem benefícios escusos, egoístas e puramente materialistas, usando do nome das artes marciais. Não saberia dizer quais recursos seriam os mais recomendáveis (e se seriam eficazes para tanto), do ponto de vista dos poderes públicos para coibirem tais práticas; porém, considero, de toda forma, que a sociedade não deve se calar nem se render diante da proliferação desses falsários, estelionatários, adulteradores. Se as artes marciais forem preservadas conforme suas genealogias autênticas de representantes, com seus valores mantidos em sua essência, todos os seus amantes praticantes e a sociedade só terão a ganhar em saúde, sabedoria, moralidade, cultura, mais segurança e harmonia na convivência.
6.Quais são os elementos necessários para que se constitua uma verdadeira caminhada de uma academia de artes marciais e seus alunos?
Sou um tradicionalista nesse aspecto. Não tenho preocupações com a visão expansionista de algumas associações, federações e confederações. Meu Caminho nas Artes Marciais visa preservar e atualizar a velha, boa e sábia relação Mestre-Discípulo, com foco primordial no desenvolvimento físico, técnico, terapêutico, educacional, moral, ético, psicoemocional, cultural, artístico, histórico, literário, filosófico, espiritual dos praticantes. Se eu tiver sucesso material, que seja um simples adendo a essa meta maior. Busco resgatar e manter o tradicional espírito das artes marciais. Se minha caminhada produzir bons frutos, então esse é o sucesso que procuro.
7.O que os mestres de artes marciais podem fazer para melhorar seu desempenho nos ensinamentos?
Primeiramente, os mestres de artes marciais devem buscar realizar uma reforma íntima. Significa voltarem-se para dentro de si mesmos: meditar. Também, buscar conhecimentos por meio de fontes como boas obras, não só de artes marciais, mas de história, cultura e outros, atrelados ao fazer do mestre dessas artes. Na antiga Esparta, os jovens aprendiam no Agoge (sua formação militar e cidadã) sobre combate, mas também sobre comportamento, canto, dança, e tudo o que compreendia a formação do hoplita, a elite da tropa de infantaria espartana. No antigo Japão feudal, a pessoa interessada em ser iniciado como samurai, buscava um Sensei, ou um monge guerreiro, que a preparava no Bushido - o Caminho do Guerreiro. Há outros exemplos. O que quero enfatizar é que as artes marciais não se resumem a trocas de socos, chutes, cotoveladas, joelhadas, projeções, quedas, torções, imobilizações, ou luta com armas. Também não se fecham em torneios, competições, esportividade. Elas não têm como prêmio apenas medalhas, troféus ou cinturões. Elas vão muito além disso. Suas metas são muito mais profundas, amplas e elevadas. Sendo assim, o que os mestres podem fazer para melhorar seu desempenho nos ensinamentos, é buscarem ser mais do que técnicos em artes de combate. Devem ser humildes o bastante para reconhecerem que nunca ninguém chega a saber tudo, na verdade sabe-se pouco, e que é necessário procurar visar outros alvos a serem acertados: porque é na interdisciplinaridade e na mente aberta que o ser humano pode entender melhor de outro ser humano. Arte Marcial, em suma, trata de como conhecer a si mesmo e aos outros. Isto é o que tenho a dizer. Muito obrigado!
Blog Cultura de Combate: https://maxmullercs. wixsite.com/culturadecombate
Grupo Cultura de Combate: tudo sobre combate, em sentidos amplo e estrito: https://www.facebook. com/groups/1392711224360939/? ref=bookmarks (Facebook)
Max Müller C. Sobrinho (Santosha)
Brasília, 14 de Janeiro de 2019